sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

49 #Digitador

A adolescência é uma fase de muitas transformações e que passamos a nos interessar, por exemplo, por diversos cursos. Karatê, natação, violão, teclado, judô, pintura, ballet... No meu caso, fiz dois cursos em períodos distintos, o de violão e pintura. Mas alguns de meus amigos optaram por fazer um curso que não era muito comum, a datilografia, ou seja, a escrita que era feita nas antigas máquinas datilográficas, que também são conhecidas como máquinas de escrever. Ah! Já existia o computador nessa época, ok? Não sou tão velho assim! É claro que eu sabia da importância da datilografia e da utilidade que ela nos traz, especialmente para fazer aqueles trabalhos de História intermináveis. Se desse sorte de cair no meu grupo, alguém que fosse "ninja" nos teclados, iriamos economizar um bom tempo para fazer nosso trabalho. Ufa! Eu não fiz o curso, mas fui me adaptando com as teclas. Posso até demorar muito para digitar, mas eu digito. Agora o que não podia imaginar, é que um dia alguém fosse me convidar para ser DIGITADOR. Mas foi isso mesmo que aconteceu. Fui convidado para ser digitador de uma empresa de seguros de vida, a "Vem Kumigo". O trabalho estava bem acumulado. Sobre a minha mesa repousavam algumas pilhas bem densas de contratos e relatórios feitos a mão, para serem digitados. Se me dessem tempo e fossem pacientes, eu poderia fazer tudo aquilo numa boa. Porém, era um trabalho para ser resolvido até o dia seguinte e sem falta! Palavras do chefe da empresa, um "japa", o Sr. Alberto Syguro. Ele é daqueles japoneses que não se cansam e que querem ver o trabalho feito em tempo recorde. Até ai, tudo bem, mas as vezes temos que parar para dar uma volta, tomar uma água ou um café, trocar uma ideia com o colega do lado, enfim, descansar. Mas isso era inadmissível por lá. Para vocês terem uma ideia, a cada 20 minutos, lá vinha o Sr, Alberto perguntar se ainda faltava muito para terminar. Depois de várias perguntas, eu não aguentei e respondi a ele, que se eu não comesse, não tomasse banho e não dormisse, poderia terminar em mais ou menos, 2 dias. Eu teria que virar um zumbi, claro! Era muita pressão em cima de mim. E trabalhar sob pressão é uma ameaça para a concentração, que vai ficando cada vez mais difícil e favorável aos erros. Mas eu estava dando o meu máximo naquilo. Bom, eu teria mais 20 minutos de tranquilidade até ele voltar a fazer mais uma vez, a sua perguntinha clássica. Mas em 5 minutos ele voltou. E dessa vez não era para perguntar nada, mas exigir que eu parasse de fazer tudo aquilo e digitasse a renovação do contrato do seu sogro, o Sr. Fujiro Nakombi. A galera que estava do meu lado, logo me alertou que o Sr. Alberto virava um "cachorrinho" perto do sogro. Para os funcionários, era a simpatia em pessoa. E como normalmente ele não agia assim, isso causava estranheza em todos, já que estavam acostumados com um chefe que mais parecia um samurai que quer cortar a cabeça de todos. Me disseram ainda, que quando o sogro pedia qualquer coisa, era comum o Sr. Alberto dizer a ele, que não se preocupasse, pois ele mesmo se responsabilizaria por fazer seu pedido. E é claro que não era ele quem fazia, né! Então, para esse caso, não iria ser diferente. O cara me esfolava psicologicamente e ainda iria ganhar o mérito do meu serviço? Olha, eu juro que não foi proposital, mas diante do cansaço, cometi alguns erros de digitação. Depois que entreguei o contrato ao Sr. Alberto, ele foi logo entregar ao sogro, que o aguardava em sua sala. Já tinha dado até a minha hora, e enquanto pegava as minhas coisas para ir embora, tomei um susto enorme. Em japonês, o sogro do Sr. Alberto gritava tanto com ele, que mais parecia uma condenação de morte. Dez minutos depois, escuto a porta bater forte. E de repente vejo o Sr. Alberto vir em minha direção com "sangue nos olhos". Ele bufava e não dizia nada. Apenas me entregou o contrato que eu digitei. Peguei o documento e entendi que era para eu reler. E lá dizia: "Fujiro Nakombi é do sexo feminino e casado com o Sr. Alberto Syguro...". Ops! Feminino e casado com o sogro? E não parou por aí: "...o segurado afirma que seus bens deverão ser compartilhados com seu esposo, o Sr. Alberto Syguro...". Ops! Seu esposo? Eu nem sabia o que responder, apenas disse que foi o cansaço e a toda aquela pressão pra trabalhar. Ele nem quis saber. Disse para eu sair de lá antes que ele me transformasse em sushis. Eu em sushis? Tô fora. E viva o papel do digitador! #UmBicoPorDia

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